28 de junho de 2006

aquí, como nunca antes, sinto-me europeia. e com esse sentimento, um misto de desconforto e de alívio.
desconforto por dar-me conta que pertenco a uma elite – a europa, onde, uma grande maioria tem acesso aos bens essenciais, alimentacao, educacao, saúde, produto e servicos que "necessitamos", enquanto que os milhoes que nao vivem na europa, nem em países ditos desenvolvidos, sofrem tantas e tantas carências.
alívio ? também, aliviada por nao ter nascido no Malawi ou no Bangladesh ou na Libéria...
sinto-me europeia, quando conheco centro e sul americanos que sentem na pele o que é nao ter nascido europeu. que vivem aqui, mas que sao de lá.. e trazem com eles a vivência que nós nao temos. e dificilmente viremos a ter.
nao temos culpa de ter nascido aqui.
sabemos que o mundo nao está como deveria estar, e que sim, que há gente que morre de fome, de gripe, de frio, que há trabalho infantil, que há criancas a morrer de uma simples diarreia, que há milhoes de pessoas que nao teêm acesso a água potável..(sim, essa água que nos sai a jorros da torneira, do duche e que nós alegremente deixamos correr..)
sabemo tudo isto, claro. e temos pena, temos muita pena. é chato pensamos...vemos as imagens na televisao, lemos as notícias nos jornais, ouvimos a rádio..sim, sim, é uma grande injustica, o mundo está de pernas para o ar...
Logo, desligamos a televisao, dobramos o jornal, desligamos o rádio, e pensamos no que vamos fazer para o jantar, ou que a casa está a precisar de uma limpeza, ou que é necessário fazer as compras do mês..
...life goes on..
o resto do imenso mundo que se lixe.
e continuamos, "a delante", a viver, a consumir como uns idiotas tudo o que vai aparecendo, seja o ultimo grito em tecnologia, mais um par de calcas que estávamos mesmo a precisar, remodelar a cas... e quem diz isto, um plasma, um safari, ou uma semana de férias numa praia de sonho no Caribe....
sabemos que as grandes empresas multinacionais, utilizam mao de obra barata para a producao de grande parte dos produtos que consumimos. mao-de-obra muitas vezes em situacoes de escravatura ou semi-escravatura, de trabalho infantil, para produzierem coisas que nós, indiferentes, consumimos na nossa afortunada europa.
quantas coisas compramos que, se lermos com atencao onde foi produzida, reparamos que china, indonésia india, etc. deixemo-nos de merdas. foram feitas por gente explorada, em péssimas condicoes e que, infelizmente nunca poderao comprar o que produzem.
triste, nao é ? nao teêm poder económico, nem sabem o que é isso.
e fala-se de desenvolvimento.
quando falamos de desenvolvimento, em liguagem popular, falamos de consumo, do acesso a produtos nao necessários e de uso privado, viver em cidades, ter automóvel, endividarmo-nos. hipotecarmos a nossa vida.
desenvolvimento ? trabalhamos 8 horas por dia, 5 dias por semana, nao temos tempo para estar em família e socializar, passamos horas no transito ou em transportes públicos, somos escravos do trabalho. estamos endividados até ás orelhas e passamos a vida a pagar casa e automóveis ...
e para quê ? para podermos consumir. e ao consumir, alimentármos a máquina infernal do capitalismo. nao nos enriquecemos. tornamo-nos escravos de um sistema que nós proprios alimentamos.
sabemos que os EUA, Canadá, Japao, a Uniao Europeia sao zonas do mundo muito ricas. no entanto sao territórios com recursos naturais acelaradamente esgotados. para assegurar o seu consumo voraz, hipotecam um futuro bastante próximo; mas nao só o seu, também o dos países onde se instalam, em que condicionam os monocultivos, expulsam camponeses, utilizam venenos nao admitidos nos seus países..
é isto é a mundializacao económica, a economia livre. a producao mundial, seja qual for o cantinho do planeta em que se desenvolve, obedece cada vez mais aos interesses do Norte rico e hiperconsumista que necessita de produzir muitíssimo para saciar os seus próprios niveis de consumo e para abrir novos mercados, extendendo a sua influência.
e há coisas que dao muito que pensar... se um cidadao europeu actual possui como média 10 pares de calças, 8 pares de sapatos, 5 casacos..sería impossível extender este nível de consumo aos 1.200 milhoes de chineses. os recursos da Terra nao dao para que toda a Humanidade viva com este nível de consumo.
talvez pensarmos numa cultura da solidariedad que dê mais importância ao ser que ao ter.
talvez redefinir o sentido da felicidade e do prazer.
Javier Moro, um jornalista espanhol, visitou em 1974 os Yanomamis na selva da Venezuela e observou que dedicavam uma media de 3 a 4 horas diárias, à caça e à recolecçao. o resto do tempo dedicavam-no a actividades meramente sociais, entre as quais, visitarem-se uns aos outros, ocupava um lugar importante. agora trabalhamos 8, 9, 10 horas por día. somos mais felizes ?
hoje, numa época em que se venera a técnica, a fome transformou-se
numa instituiçao. curioso paradoxo, que esconde uma fórmula escandalosa: a fome cresce
paralelamente ao "progresso". a nossa cultura construiu um altar ao inacessível: ás necessidades infinitas.

isto sao coisas que tenho lido e pensado e que nao me deixam indiferente.
muitos dizem que é possível erradicar a extrema pobreza. e que é possível erradicá-la na nossa geracao.
isso parece-me verdadeiramente extraordinário.

3 comentários:

Ana disse...

o que propoes?

seafruit disse...

e o que propes tu ? e o que pensas tu de tudo isto ? ou nao pensas ?
proponho que deixemos de ser indiferentes, propnho que comecemos a falar deste tema, proponho que nos indignemos com tudo isto. depois, talvez te surja alguma ideia. é uma responsabilidade de todos, minha, tua, de todos. assim vejo as coisas.

Joana C. disse...

parece-me que a X. está a precisar de uns dias de férias em Portugal...